São Paulo nos sopés

Mário Coutinho
3 min readJun 24, 2024

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O hiperfoco da madrugada de ontem foi o estilo streamline moderne, caí nesse buraco de hiperlinks lendo sobre Robert Moses, o grande urbanista responsável pela malha viária de Nova York (cidade e estado). Em 1974 Robert Caro lança uma biografia devastadora de 1800 páginas, The Power Broker — fiquei só na wiki, não dá para largar tudo e ler isso. Moses, que nunca foi eleito para cargo algum e sempre trabalhou nas sombras, teve sua vida exposta e seu legado manchado com as revelações do livro, deixou de ser visto como grande idealizador e passou a ser conhecido como o racista que odiava PPI (pobres, pretos e italianos).

Voltando ao estilo que é uma vertente do Art Déco, a wiki apontava cinco edifícios* como exemplo do estilo em São Paulo, todos, exceto o estádio do Pacaembu, projetados por Rino Levi. Os dois mais antigos, Edifício Columbus (1932) e o Nicolau Schiesser (1934) foram demolidos, o primeiro logo em 1971 e o segundo há dez anos, em 2014. O Guarani (1936) e o Trussardi ainda permanecem em pé, ainda que mal preservados e com o entorno completamente descaracterizado.

A história do Columbus foi a que mais me chamou a atenção. De acordo com a wiki, o edifício, o primeiro condomínio de apês da cidade, já era “considerado um anacronismo no início dos anos 1970”. Paulo Maluf desapropria o prédio no seu primeiro ano de mandato como prefeito de São Paulo em 1969. O prédio de doze pavimentos é demolido “andar por andar”, linguagem que remete a “membro por membro”, para dar lugar a uma garagem. Logo depois de demolir o prédio a prefeitura reconsidera o plano de construção da garagem, que estaria em uma posição “mal localizada”. Aparentemente o endereço hoje deu lugar a um digníssimo barranco entre a Brigadeiro Luís Antônio e a 23 de Maio. Perdoem-me pela falta de rigor histórico na pesquisa, não sou nenhum Raul Juste Lores, só estou escrevendo isso para tirar um peso do peito e falar mal do Maluf.

Recapitulando: a prefeitura achincalha um dos primeiros exemplos de um estilo arquitetônico no Brasil, desapropria para a construção de uma garagem, garagem feita ou não, hoje o poder público nos oferece uma belíssima ravina no meio de São Paulo. Tudo isso pelas mãos de Paulo Maluf, o famoso “rouba, mas faz” (até esse bordão é roubado, era do Adhemar de Barros).

Esse caso não é único, mas acho que é significativo da gestão Maluf tanto na prefeitura quanto no governo do estado. Voltando ao Robert Moses, um dos pontos em comum é a escala dos projetos e a velocidade de construção, Maluf também tem algo disso, ainda que talvez apenas no discurso. Falta uma avaliação séria do número de projetos, tempo de conclusão, comparação com obras recentes, &c.

Falta também uma biografia crítica do Maluf, estilo The Power Broker, a única que encontrei é uma autobiografia com cheirinho de ghostwriter. Essa biografia também teria umas 1800 páginas se tivesse sido publicada na hora certa, infelizmente a ditadura amordaçou a impressa brasileira.

Para nossa sorte, e azar, Paulo Maluf continua vivo. Hoje com 92 anos tem muito mais histórias para contar, a destruição do centro de São Paulo, escândalos de corrupção mil, reeleito deputado federal enquanto era procurado pela INTERPOL! Essa biografia dá umas 3600 páginas, fácil.

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  • Edifício Columbus ★ 1932 — ✝ 1971
  • Edifício Nicolau Schiesser ★ 1932 — ✝ 2014
  • Edifício Guarani ★ 1936
  • Estádio do Pacaembu ★ 1932 — (em reforma)
  • Edifício Trussardi ★ 1943

P.S. São Paulo: O planejamento da desigualdade me parece interessante, adicionado a lista de leituras.

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Mário Coutinho

Bacharel em Letras e Mestrando em Arqueologia pela Universidade de São Paulo, Vim aqui dar opiniões que ninguém pediu, mas também atendo a pedidos. @mariuscout